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O Design no Espaço Residencial do Século 20

  • João Lucena
  • 26 de nov. de 2019
  • 5 min de leitura

Atualizado: 28 de nov. de 2019

Quando realizamos alguma atividade rotineira em casa, seja preparar uma refeição ou simplesmente passar uma camisa, não costumamos pensar em como era executar essas mesmas tarefas décadas atrás. Estamos acostumados com aparelhos e utensílios que parecem ser itens obrigatórios para chamar algum lugar de “casa”. No entanto, diversos desses equipamentos só passaram a existir no século passado.


A forma como as pessoas interagem com e na casa sofreu profundas transformações desde então. Ao analisar tais mudanças no espaço residencial, é possível chegar à conclusão que o ritmo de produção acelerado da indústria, as novas fontes de energia e os novos materiais, e o design foram fatores determinantes para que elas ocorressem.



“A introdução do gás nas cidades (...) separou o uso da energia da sua fonte de geração, permitindo uma maior diversidade nas formas e locais de sua utilização. Cozinhar e aquecer passaram a ser atos separados, com formas específicas surgindo para cada um, tendência acelerada no início do século XX com a difusão da eletricidade” (HESKETT, 1998, p. 149).


O uso doméstico do gás natural se tornou popular no final do século 19, especialmente na Europa, após o desenvolvimento do queimador conhecido como bico de Bunsen1. A mecanização da indústria possibilitou a produção em massa de utensílios e aparelhos. A atuação do profissional do design deixou de ser restrita à estética e decoração, e passou a abarcar o projeto de produto. Segundo Heskett (1998), o efeito dessas mudanças juntas foi a transformação do trabalho e das funções associadas à vida e à administração da casa.


Um dos primeiros equipamentos a ser adaptado às novas possibilidades da época foi o fogão. No final do século 19, surgiram os primeiros modelos a gás, porém sem grandes alterações na estrutura de ferro fundido e moldagens decorativas que já eram aplicadas nos fogões a lenha. Apenas na década de 1920 os modelos passaram a ser mais leves, com a utilização da folha de aço esmaltada na estrutura. O padrão de fogão com tampas dobráveis para o forno e para os queimadores e linhas simplificadas foi adotado já no começo dos anos 30, como no design de Normam Bel Geddes para a Standard Gas Equipment Corporation, de 1932.















A expansão do uso de energia elétrica aprofundou ainda mais a revolução que acontecia. Desde a última década do século 19, várias empresas experimentaram a aplicação da eletricidade para cozinhar e aquecer. A icônica Exposição Universal de Chicago de 1893 chegou a receber a exibição de um protótipo de cozinha elétrica, com todos os itens funcionando a partir da eletricidade. Nesse período, os primeiros ferros de passar, chaleiras, grelhas, torradeiras, fornos e fogões elétricos começaram a ser comercializados por companhias como Crompton, Prometheus, AEG, Siemens e Therma, ainda com motivos floridos e rebuscados típicos da era vitoriana. Contudo, eles eram caros e pouco confiáveis, e a energia elétrica só era disponibilizada à noite para a iluminação.



“Foi preciso um esforço hercúleo dos fabricantes de aparelhos domésticos para convencer essas empresas [geradoras de eletricidade] do potencial de exploração da capacidade total das usinas” (HESKETT, 1998, p. 151).


Aos poucos, as cidades começaram a ter mais horas de geração de energia, as empresas de energia passaram a alugar e vender fogões e outros aparelhos, e as grandes lojas de departamentos notaram o potencial de tais produtos.


Pode-se dizer que o design como é entendido hoje em dia surgiu justamente nesse período. Diversos produtos da época foram os primeiros projetos de design no sentido atual. Ao longo do tempo, novas soluções, novos materiais e novas técnicas foram incorporadas, porém rapidamente a necessidade de mais inovação apareceu. Os avanços tecnológicos - e, consequentemente, o consumo - tornaram-se cada vez mais acelerados.



“O aumento do volume de produção somado à semelhança da forma virou padrão para toda a variedade de bens de consumo, causando problemas para os designers e consumidores[...]” (HESKETT, 1998, p. 154)


Um bom exemplo são os refrigeradores domésticos. Na década de 1930, eles passaram a ser produzidos com a tecnologia empregada na indústria automobilística, no entanto, a forma estava condicionada pelo método de produção disponível. Uma limitação técnica da época se deu na prensagem e forja de metais, que só geravam chapas com curvas amplas - característica comum nos automóveis desse tempo. O refrigerador Coldspot, do designer Raymond Loewy, é uma peça famosa desse período. Limitação semelhante ocorreu com a companhia Westinghouse, em 1939, quando ela introduziu a técnica que consistia em formar todo o gabinete que reveste o refrigerador a partir de uma única chapa metálica na prensa conhecida por “bulldozer”, eliminando, assim, a necessidade de uma moldura estrutural. O aparelho se tornou acessível a uma grande parcela da população; no entanto, o trabalho do designer para projetar características distintivas para o produto acabou ganhando limites restritivos, o que levou a uma semelhança geral entre os modelos. Já após a década de 1950, quando foi possível incorporar bordas e cantos bem definidos ou mesmo pontudos, o problema da uniformidade se repetiu, visto que praticamente todo o mercado adotou as mesmas características.

















Em relação à economia de tempo aplicada à vida doméstica, provavelmente o avanço mais significativo foi na área de limpeza e lavagem. Ferros de passar elétricos já possuíam certa eficiência em meados da década de 1890 e, provavelmente, foram os primeiros aparelhos elétricos adotados universalmente. Aspiradores de pó manuais já vinham sendo apresentados desde o final do século 19, porém a companhia Hoover2, fundada na década de 1900, apresentou um aspirador com sucção elétrica. Esse arranjo tornou-se o padrão dos aspiradores a vácuo. Outro modelo, apresentado pela Electrolux em 1915, trazia um cilindro compacto com uma alça para transporte ligado a uma mangueira flexível, o que permitia a limpeza de carpetes a cortinas, por exemplo. Já as lavadoras elétricas passaram a ser produzidas em massa na década de 1930 e, certamente, foram umas das maiores facilitadoras do trabalho doméstico. Elas também assumiram formato de caixa com a adoção das folhas de aço esmaltadas, assim como ocorreu com os fogões e os refrigeradores.














“Antes de seu advento, os que podiam enviavam roupas para lavanderias ou mulheres que necessitavam ganhar um dinheiro extra. Para mulheres com famílias grandes, ou aquelas para quem isso era o ganha-pão, lavar roupa era um trabalho fisicamente exaustivo” (HESKETT, 1998, p. 157)


Inúmeros materiais ganharam utilidade e outros foram criados. A baquelite, patenteada por Leo Baekeland em 1907, tornou-se matéria prima padrão para a produção de diversos artigos, como cabos de panelas, ralos de pia, plugues de tomada, gabinetes de aparelhos e máquinas et cetera. O alumínio, por exemplo, apesar de já ser conhecido há bastante tempo, só foi empregado em uma linha de utensílios domésticos em 1934, projetada por Lurelle Guild para a Wear Ever, que apresentava cabos de plástico para evitar a condução do calor.



“Um impacto mais dramático podia ser criado pela aplicação de materiais como aço inoxidável, aço cromado e vidro térmico, que contribuíram para um enfoque estético que transformou a imagem utilitária dos artigos de cozinha” (HESKETT, 1998, p. 159).


Heskett (1998) afirma que as mudanças nos hábitos sociais andaram lado a lado com os avanços em desing. Apesar de todas essas facilidades demandarem mais atenção, inclusive em relação à segurança por envolverem eletricidade, e de novas necessidades de consumo serem incentivas inconsequentemente, é inegável que as residências tornaram-se mais higiênicas com a facilitação da limpeza, a dieta diversificou-se com a possibilidade de refrigeração de alimentos e maior especialização e diversificação de utensílios de cozinha, e as pessoas, no geral, tornaram-se menos sobrecarregadas com serviços domésticos básicos. Tudo isso apenas demonstra a grande responsabilidade do design enquanto agente capaz de influenciar e ditar novas maneiras de relacionar-se com as pessoas, os espaços e os objetos.


___________________________

REFERÊNCIAS

HESKETT, John. Desenho Industrial. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.

1 WIKIPEDIA. Bico de Bunsen. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Bico_de_Bunsen>.

Acesso em: 24 nov. 2019.

2 HOOVER. About Hoover. Disponível em: <https://www.hoover.com/about-hoover.html>. Acesso em: 24 nov. 2019.



FICHA TÉCNICA

Texto desenvolvido por João Witor Lucena de Melo para a disciplina de Introdução ao Estudo do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Artes - Bacharelado em Design - Novembro de 2019. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo N. Boufleur (http://estudossobredesign.blogspot.com).

 
 
 

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